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        Um caminhão encosta na rua Monte Castelo 198. Um bando, entre véio e piazada, descarrega a entrega de frutas de dentro da carroceria e vão prum galpão cheio de outras frutas dentro. Verduras também. No caixa está um piá ruivo rabiscando papel e desenhando nos canto das notas fiscais. Pilhas coloridas de caixas plásticas. “Horta e arte” escrito numa delas. “Goya” na outra. Um cheiro de fresco, de perfume de goiaba, da casca forte do limão. Se vai mais pro fundo dá pra ver o hematoma na pele de uma e outra maçã que vai avisando sobre podridão. Também dá pra ver que as folhas, assim como pele de gente, murcham e fedem. As cores mudam, porque dependem da época. E nesse lugar, a época não é época de tempo da história, mas de safra e do que a terra com o sol, chuva, mês e lua dão. No fundo do galpão tem uma sala com paredes pingadas de tinta, umas telas de imagens encostadas na parede, outras direto no chão e uma penca pendurada.

          A porta principal bem larga que dá pra rua é passagem direta de quem vem fazer a feira. Quando alguém escolhe uns tomate, uma cabeça de alho, um quilo de cebola e uma cenoura, dá pra imaginar se vai sair um molho grosso pra macarrão ou pra completar um bolonhesa? Quando só vem buscar três quilos de limão é pra suco ou pra caipira? De onde que vem o caboclo ali? O que que aquela lá tá apalpando tanto os abacate? O piá ruivo pode tentar adivinhar consigo mesmo só na cabeça ou pelas palavras que troca com cada pessoa, costurando assuntos entre as várias bocas e ouvidos que passam por aquela porta. Ele também passa por ela e sai dali, anda nos arredores e continua a adivinhação, sem querer adivinhar nenhuma coisa exatamente. Faz trajetos na cidade como procedimentos psicogeográficos. O quê e com quem cruza faz com que se criem diferentes óticas sobre temporalidades: o tempo que leva pra um olhar passar entre o ordinário e o mistério até chegar no susto; o que mira entre os minutos de um gesto do corpo, da força que anda à galope; o da espera que funda a interinidade de quem vagueia numa passividade ou inércia que não são necessariamente apatia. Descer pra cidade, passar da cerca, encarar um bicho, sentar no espaço, vender andando, prosear com quem não sabe, apostar a disponibilidade do tempo de vida no tempo da vida de outras pessoas. A rua, a praça, os bancos e a mesa de xadrez são dos poucos lugares que não são propriedade particular, onde se abre a possibilidade temporária de dividir o espaço público, esse comum sem cerca. Cenora fica procurando por aquilo que nunca perdeu e vai encontrando o que não tava procurando. E quando acontece desses encontros, ele carrega o acontecimento como imagem, volta por aquela mesma porta, segue para a sala do fundo e vira matéria pictórica.

          “pacato”, “parado”, “lento” e “atrasado” são associadas a cidades e pessoas interioranas, e você já pode ter pensado nisso pela definição generalizante de tempo e de interior que as metrópoles ditam. Entre essa cidade do sacolão e a capital mais próxima, vai uns tantos e longos quilômetros. E o que esse tempespaço significa para unir e separar as definições de culturas de cada um dos pontos, né? Por vezes não há disputa de valor por nem se falar sobre o que acontece ali naquele meio do mapa, que chamamos de interior. Esse piá do sacolão conta sobre isso quando ele além de ser funcionário do sacolão é também, e principalmente, artista. Ele, Lucas Speranza, o Cenora, conta também que a pintura tá aí e sobrevive muito bem em toalhas de plástico, bilhetes de mega-sena e nos suportes fundantes dos seus trabalhos.

          Nesse causo disfarçado de texto de exposição, eu me junto a ele para contar sobre uma estética contemporânea com elementos da cultura serrana ou interiorana, de tempo e de gente. Esse conjunto de obras, de instalações e pinturas, tentam trazer a atmosfera do sacolão anunciando que tudo continua acontecendo em São Paulo, Londres, Tokyo, Nova York e no Sacolão Speranza, ali, onde o Cenora permanece pintando na sala do fundo, na lida diária de construir um registro pictórico contra hegemônico. 

         “O tempo voa e quem não voa com ele se atrasa”, era o que estava escrito no paralamas do caminhão que foi embora logo depois de fazer 
a entrega.

 

GABI BRESOLA
 

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O TEMPO VOA E QUEM NÃO VOA
COM ELE SE ATRASA

CIRCUITO DE EXPOSIÇÕES

  • JOAÇABA

  • CRICIÚMA

  • ITAJAÍ

  • LAGES

Joaçaba
Casa de Cultura de Rogério Sganzerla  - R. Sete de Setembro, 222, Centro de Joaçaba

17 abril a 17 maio

Abertura: 17 de abril, 19h

Visitação: de segunda à sexta, das 13h até 19 horas

Criciúma
Galeria Edi Balod - Unesc

3 junho a 29 junho

Abertura: 03 de junho, 19h30

Visitação: segunda a sexta, das 13h30 às 18h30

No segundo semestre em Itajaí e em Lages.

 

Classificação livre. Entrada gratuita.

 

Ficha técnica

 

Artista: Lucas Speranza

Curadoria: Gabi Bresola

Expografia e montagem: Júlio Gubert

Produção executiva: Gabi Bresola Produção: Ombu produção / Rudolfo Auffinger

 

Educativo: Babel Babel
Edição da publicação: Gabriel Villas

Crítica e  texto: Thays Tonin

Coordenação de comunicação: Barbara Marins Pettres

Realização:  Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – Edição 2023, Governo do Estado de Santa Catarina, Fundação Catarinense de Cultura [FCC].

Apoio: Casa de Cultura Rogério Sganzerla, Unesc, Sala Edi Balod, Curso de Artes Visuais da Unesc.

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