CIDADES AMBULANTES
A exposição Cidades ambulantes surge de um processo artístico que faz mediações entre Artes Visuais e Arquitetura e Urbanismo a partir do contexto da cidade, especificamente dos comércios de rua nos Centro Históricos comerciais. As cores, sons, mobiliários, placas e textos, montados, escritos e ditos pelos vendedores ambulantes integram, com diferentes subjetividades, o cenário das cidades provocando relações sociais e estéticas entre o corpo e o espaço público. A exposição tem curadoria de Gabi Bresola. É composta por trabalhos de Gabriel Villas, desenvolvidos entre 2017 e 2021.
Texto curatorial de Gabi Bresola
Escrevo este texto depois de (cd/dvd cd/dvd cd/dvd) ver as imagens e textos desta exposição lotada dessas vozes-concretos-rimas-arranjadas que saem das bocas de quem usa o espaço público para viver e trabalhar. Achei difícil voltar pra rua e não tentar adivinhar como andam as pernas das pessoas no meio das pernas das mesas, das pernas dos carrinhos, das rodinhas que se mexem e sustentam uma mobília que serve de balcão, suporte, expositor, loja daquela pessoa que tá lá/ali/atrás empurrando e movendo seu universo de produtos. Ambulantes. (ooooolha o aaaaaaaalho) Uma grande orquestra formada por diferentes instrumentos que coesxistem por diferentes temporalidades de um dia, dia após dia. Cada hora um produto diferente. Cada hora uma invenção de plástico que briga com a porcelana e o orgânico de moda.
Um balão de personagem japonês fica do lado do salame produzido há alguns quilômetros dali. (pinhão cozido quentinho!) Um indígena sentado no chão com pano estendido divide materialidades ancestrais ameríndias com mandalas indianas e filtros dos sonhos tingidos de rosa fosforescente encontra-se com os bolivianos, (olha a raíz cheirosa!), estes que vendem e correm: na sombra enquanto o sol vai atingindo o espaço de passagem.
correm quando a chuva começa a cair.
correm dos homens de colete e das viaturas que atropelam vagarosamente. (baratinho aqui ó, pomada do peixe-elétrico!) Mas pra além do corre, os ambulantes se movem balançando nas mãos o que tem pra oferecer pra você: criança, que quer o balão inflável. Você, faminto, que come o churros quentinho. Você, que tá com as suas cutículas compridas e leva sua tesourinha pro amolador de facas. Você, que vai comprar o despertador de plástico (como não ceder ao som daquela pequena máquina de resina e plástico que cantarola o dia inteiro bibibibip e resiste desde os anos 1990!). Você, que tem dores nas costas e vai levar esse poderosíssimo óleo de arnica para massagem (o doutorzinho). Você, que se incomoda com mosquitos e vai comprar uma raquete elétrica ou que acha que precisa demais de uma máquina de costura portátil, que tem vontade de comer uma fruta fresca no meio do caminho: (fruta fresca que som bonito dizer isso: fruta fresca). Você! que vai comprar qualquer coisa dessas, mesmo se não tiver qualquer uma dessas necessidades. Vai comprar dessas pessoas que vivem das suas táticas no
espaço planejado estrategicamente pelo plano estratégico urbano do poder público. É um, dois, três corpos que também são mobílias pra estender as redes nas costas, meias coloridas do paraguay nos braços, panos de prato nas pernas, (é 5 por 10!) placa de isopor como expositor de anéis pendurados no pescoço, uma pilha imensa de chapéus numa cabeça só.
Um dois três corpos que também carregam subjetividade.
(olha a trimania! sorte é aqui!)
Na frente das lojas formais há arcos balões mas não há festa. Estamos, continuamente, recebendo convites através dos inúmeros e diferentes modos pela oralidade no microfone, pelo som das lojas de eletrodomésticos que tocam o hit do momento, pela distribuição desenfreada dos panfletos e jornaizinhos. O verbo comprar vem disfarçado: entrar, conferir, garantir, reservar, aproveitar. (compro ouro, pago bem!) A rua, esse lugar que garante o direito principal da cidadania de ir e vir é o mesmo que dá o direito de ir e vender. De ir e comprar. Nesse exercício de minutos de conversa, os produtos são pretextos pra construção social, estética, política e muito do que se pode chamar de artística.
Um dia, um artista que chama Piero Manzoni fez a obra “A base do mundo” na qual ele coloca a base de uma escultura de cabeça pra baixo, virada para o chão, como quem indica que o que está sobre o pedestal é ou pode ser considerado arte. Neste caso, o mundo inteiro poderia ser arte.
Anos depois, outro artista, Cildo Meireles, foi lá e virou uma bananeira sobre a base do mundo. Neste segundo caso, Cildo dá a possibilidade de segurar essa legitimação do que é ou não arte no mundo. É quase como se colocasse em prática a dúvida e o limite entre o que é ou não, do que pode ou não ser arte, na grande bagunça da humanidade. E aí, falo disso, porque quando eu vejo todos estes trabalhos do Gabriel Villas e volto a andar na rua, no meio do Centro lotado de gente passando, não consigo saber o limite de onde se inicia e termina uma possibilidade artística. (agulha prá fugão) E o que quero dizer com isso é que estes trabalhos não tem uma vontade de dizer o que é ou não arte, mas ajudam a alimentar essa dúvida do que pode ser uma experiência artística e até arquitetônica em situações tão singelas, da disposição de objetos, texturas, conversas e cores nos lugares urbanos.
Pensando que toda essa carga plástica e visual surge das determinações sociais e relações de poder. Toda escolha estética é uma escolha política.
Acho que estes trabalhos são um tipo de anúncio (o barato é aqui!) de que a gente pode atravessar uma rua ou calçadão como se estivesse em um dos penetráveis de Oiticica, sendo um próprio circuito ideológico, e revelando pra gente mesmo os modos de sobrevivência neste espaço dividido, entendendo como é camaleônica (e ambulante) a construção que a gente chama de cidade.
Artista: Gabriel Villas
Curadoria: Gabi Bresola
Assistência de montagem: Robson Luiz Andrade
Montagem: Gabriel Villas e Gabi Bresola
Fotografia: Cristiane Fontinha e Dyone Sousa
Agradecimentos: Adriane Canan e Sesc Lages
Cidades ambulantes é realizada através da RedeSesc de Galerias.