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SOBRE AS NOTAS E O SUBSOLO / ENTREVISTA COM LETO WILLIAM

Como surgiram os trabalhos desta exposição?
 

Estes trabalhos são desdobramentos da pesquisa que realizo desde 2014, que inicia com a instalação “Como se achar no mar profundo?” (Sesc Fernando de Noronha, em Londrina/PR). São trabalhos realizados com materiais pobres, de fácil acesso e que suprem necessidades cotidianas. A maioria dos trabalhos são feitos com sacolas plásticas de supermercado e verdureiras, que trazia para casa junto com minhas compras. Com o passar dos meses, comecei a manipular essas sacolas, realizando interferências gráficas com fitas-isolante, que é um material que utilizo desde a instalação que mencionei. As intervenções são textos, alguns com sentido narrativo, outros mais abertos - letras soltas, linhas e formas geométricas. Paralelo aos trabalhos com as sacolas, desenvolvi a série “escritório”, que dialoga diretamente com minha dissertação de mestrado, intitulada “escriturário”. São cinco cartazes com frases ambíguas, de certo sentido insurgente a partir da negação em agir, em compactuar com as regras dos jogos políticos/sociais. O cartaz “espero tua (re)volta” faz parte dessa série. Outro trabalho é o vídeo “em vão vigia a sentinela”, onde problematizo a falsa sensação de participação que temos ao buscar novas notícias, nos atualizando compulsivamente, com medo de perder um detalhe sequer. Nos querem espectadores de um jogo de cartas marcadas,  que pede apenas nossa atenção, nossa participação, para se legitimar.


 

 

Quais as referências que utilizou e o que traz do seu processo como artista?
 

As principais referências para essa exposição vêm da literatura, nos personagens Homem do Subsolo, do livro “Notas do Subsolo” de Fiódor Dostoiévski; Bartebly, do livro “Bartebly, o escrivão” de Herman Melville e  Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa no “Livro do Desassossego”. Todos os três, de alguma maneira, lidam com o texto em sua profissão (funcionário público, escriturário e ajudante de guarda-livro, respectivamente), e adotam uma posição de recusa frente a questões semelhantes, como a fé, a sociedade ocidental moderna, as questões morais, enfim a tudo preferir não fazer. No campo das artes, duas referências importantes para essa exposição são os artistas Vito Acconci, com o processo de escrita enquanto performance e o Thomas Hirschhorn, com as grandes instalações e monumentos feitos de materiais baratos.

 

O que se vê em “notas sobre o subsolo”? Fale do processo de reunir esses trabalhos

e da exposição.
 

Propus essa exposição em novembro de 2015 e estava programada para acontecer em dezembro do ano passado, mas não aconteceu por causa do processo de sucateamento da cultura aqui em Florianópolis, que não deve ser muito diferente na atual gestão. Desde que foi proposto até agora, o projeto sofreu algumas alterações, com a ausência de trabalhos que não poderão existir por causa de impedimentos burocráticos, e outros trabalhos novos, que dialogam com a exposição de outra maneira, menos literal. A exposição é um dos capítulos da dissertação, é o texto além da página, comentando a pesquisa paralelamente. Este capítulo/exposição abrange os trabalhos expostos e todas as notas de rodapé que surgem durante a escrita da dissertação, deste modo os trabalhos que serão mostrados fazem parte deste outro texto, que aparece submerso ou deslocado.

 

 

Quais as relações que a exposição estabelecerá com a sua participação nela e com o espaço?

 

Há dois motivos para minha presença na galeria durante o período que a exposição acontecer. O primeiro é pensar o espaço expositivo como um espaço de experimentação, também de criação e não apenas de apresentação dos trabalhos. Como essa exposição é um dos capítulos que compõem minha dissertação de mestrado, ela é também geradora do texto. Estar na galeria durante este processo de escrita é, para mim,  abrir o texto ao imponderável e ao outro. O segundo motivo  é o já referido processo de sucateamento da cultura na cidade. No ano passado participei de uma residência artística junto a outros sete artistas, a vestígio-contágio, e durante as três semanas que o espaço estava reservado a nós fomos constantemente impedidos de entrar para trabalhar, e quando nos foi permitido entrar, era apenas para desenvolver trabalhos para nós mesmo vermos, já que a entrada do público não foi permitida. Deste modo, a presença de um corpo ativo no espaço institucionalizado impõem um trânsito que não é desejado pelos que veem a arte como supérflua e desnecessária.

Na abertura  a proposta foi uma ação performática chamada “ocupa-desocupado” que contará com a presença do Silfarlem de Oliveira.

imagem do cabeçalho: "Incentivo incêndio" da série "Escritório" de Leto Willian

NOTAS SOBRE O SUBSOLO

Exposição individual de Leto William

 

Memorial Meyer Filho

Florianópolis/SC

abertura: 14/02/2017

visitação: 14/02 - 28/02/2017

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